Carta aberta aos corações sensíveis

Eu sei, eu sei. Os dias andam tenebrosos lá fora. 

 

Talvez as coisas estejam um bocado nebulosas aí dentro também. Por aqui, a paisagem anda bastante instável. Tem horas que tudo parece tão frágil e tenso. É como se uma delicada película sustentasse toda a superfície e essa película estivesse tão fina e tensionada que a qualquer momento pudesse se rasgar, ruir…

 

Não saber, não saber. Não fazer a menor ideia do que vem pela frente aterroriza. Nos faz pintar os piores cenários e nos coloca em estado de alerta: como fechar os olhos quando parece que a qualquer segundo tudo pode se romper?

 

E diante das incertezas, como não querer se agarrar a qualquer vestígio de segurança?

 

Você sabe, você sabe, quando tudo que se move se torna uma ameaça, toda tentativa de desvio poderá ser julgada como inadequada. E, sem perceber, começamos erguer uma couraça ao redor de nossos peitos para nos proteger.

 

É então que, sob o voto secreto do silêncio, fica decretado que: qualquer forma de alegria poderá ser vista como supérflua, qualquer forma de poesia poderá ser vista como desnecessária, qualquer forma de delicadeza poderá ser vista como ingenuidade, qualquer forma de riso poderá ser  vista como afronta, qualquer forma de sonho poderá ser vista como insanidade.

 

Quem você pensa que é para ousar se encantar numa hora dessas? Quem você pensa que é para ousar ser gentil numa hora dessas? Quem você pensa que é para ousar sorrir numa hora dessas? Quem você pensa que é  para fazer poesia numa hora dessas? Quem você pensa que é para ousar sonhar numa hora dessas? Quem?!

 

E assim, com medo de sermos julgadas pelos outros, talvez acabemos previamente condenadas, confinadas, podadas por nós mesmas.

 

E então eu te pergunto: quem é você para negar ao mundo a dádiva da alegria? Quem é você para negar ao mundo os dons que seus pais lhe presentearam? Quem é você para manter fechado o canal por onde deveria fluir  a sua luz?

 

Não! Basta. Chega de se apequenar sob as cartilhas do medo ou das regras das boas maneiras. Chega de tentar caber nas caixinhas criadas pela sociedade ou num papel criado por uma versão antiga de você.

 

Se ser sensível, sonhadora e gentil é ser inadequada, então, que não lhe falte coragem para ser inadequada. Se ouvir a sua intuição e expressar os seus sentimentos de forma genuína é atestado de loucura, então que não lhe falte coragem para assumir a sua insensatez. 

 

Querido coração, que não lhe falte coragem para ouvir a sua própria música, nem para seguir o seu próprio caminho. E que quando lhe faltar coragem, lembre-se: você não está sozinho. Nutra-se da coragem de todos aqueles que te abastecem de amor, estejam eles presentes ou não neste plano.

 

Sim. Eu sei, carinhoso coração, são tempos difíceis para sonhadores. Mas, não seria ainda mais difícil sem a esperança a iluminar nosso caminho? E, se por um lado, tantas sombras têm vindo à tona, por outro, algumas chamas começam a revelar… Eu sei, elas ainda são bem suaves, sutis, elas são como pássaros selvagens, para não assustá-las é preciso assossegar os ventos internos…  Sei também que não é fácil serenar-se em meio a tantas transformações. 

 

Mas, por favor, não se esqueça: apenas as luzes têm o poder de vencer as trevas. Por isso, sempre que se perceber cedendo espaço ao medo, ao ódio ou à vaidade, recue, dê um passo atrás e escolha de novo, escolha o caminho do amor, do afeto e da esperança.

 

É, meu caro coração, a vida é tecida por impermanências. Neste exato segundo, podemos estar há poucos milímetros de um fim… O abismo dá um frio na barriga, eu sei. E dói, eu sinto. Mas e se eu te disser que esse fim, na verdade, é só o início de uma nova fase? Que essa dor é só o nosso corpo ficando pequeno demais para caber no casulo? Que esse desconforto vem da transformação dos nossos braços em asas? 

 

Asas. Tão belas e tão frágeis. Diante do caos, o que podem as asas?

 

Bem, na quarta-feira passada, fazia uma manhã ensolarada, na ilha de Perhentian na Malásia, quando uma Phengaris Alcon, mais conhecida como borboleta azul, bateu levemente suas asas gerando um pequeno deslocamento de ar e provocando uma sequência de ventos e eventos que fez o coração de uma jovem escritora bater mais devagar por alguns microsegundos. Tal alteração cardíaca levou a um raro desabrochar de uma flor de lótus em seu peito, na cidade de Rio Acima, em Minas Gerais, dando origem a esta sequência de palavras que exemplifica os poderes daquilo que um cientista com alma de poeta batizou de: efeito borboleta. Efeito esse que também pode ser traduzido como a capacidade de pequenas alterações causarem grandes revoluções.

E, diante disso, eu te pergunto: o que podem as palavras, neste momento?

 

Elas podem tudo. Nós podemos tudo. Por meio da escrita, podemos transmutar sentimentos. Podemos nos acolher. Podemos dar asas às ideias. Podemos nos transportar para outros lugares. Podemos transcender e transgredir. Podemos nos transformar e transbordar. Podemos nos entender e nos estender. Podemos informar e nos tirar da forma. A escrita é inspiração e expiração. Ela é pouso e voo. Ela é silêncio e voz. É canto, encanto e encontro. Ela é conexão e criação. Ela é oração.

 

Este texto foi originalmente compartilhado na minha newsletter, no dia 20 de outubro, dia que homenageia todos aqueles que têm alma de poeta. Data que eu escolhi para colocar no mundo essa carta aberta para você que também mantém aberto o seu coração para o afeto. 

 

Eu espero que as minhas palavras possam ter levado algum tipo de afago para o seu peito. Escrever esse texto foi bem especial e curador para mim. Ele demorou um bocado de tempo para brotar aqui. Veio de uma série de tentativas, de frases inacabadas, de caminhos abandonados, de lágrimas, de vontade de desistir…

 

Talvez você já acompanhe o meu trabalho como escritora e facilitadora de voos criativos há algum tempo. Talvez admire a forma como eu escrevo e pense que seja fácil para mim. Mas não é porque eu atue há tantos nesta área que os meus processos sejam sempre fluídos.

 

O que eu venho percebendo tanto em mim, quanto nas pessoas que eu acompanho individualmente ou em grupo é que, muitas vezes, os emaranhados não estão nas técnicas, mas no peito, no olhar. Mais do que o lapidar o escrever é preciso soltar a linha do controle, se permitir sentir, deixar que a dor venha se ela tiver de vir, se acolher, ter paciência para desatar os nós, recolher os pedaços de si que ficaram pelo caminho e alinhavá-los com a gentileza e paciência necessárias. E isso vale tanto para uma escrita mais colada com o caminho biográfico, quanto para o ficcional.

 

Além do momento desafiador coletivamente, esse texto também resulta de um fim de um ciclo importante individualmente. Senti de expor um pouco disso aqui hoje porque talvez ouvir isso pode ser libertador para alguém. E eu aproveito para te perguntar: como anda o seu coração? Você tem usado a escrita para se ouvir e se expressar? 

 

Se essa carta aberta aos corações sensíveis te tocou e trouxe algum acolhimento, que tal enviá-la para mais um peito que pode estar precisando de um abraço?


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Dani Brandão

Encantadora de palavras e imagens. Facilitadora de fluxos criativos. Criadora da Waau. 

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